"Em minha opinião, o diagnóstico tem nos servido muito mais pra estigmatizar e menos para ajudar. "
Marcos Alberto da Silva Pinto
É improvável que alguém tenha condições de precisar há
quanto tempo o diagnóstico é utilizado como forma de ajuda no campo da
psiquiatria e da psicologia.
É importante verificarmos o sentido original da palavra
diagnóstico (gnossis= conhecimento; dia=através), ou seja, conhecer o outro
através. Conhecer o outro inteiro, por trás da fachada, em seus sentimentos e sentidos.
Em minha opinião, infelizmente, o que vemos hoje como
diagnóstico é algo completamente oposto a esta concepção.
Em um de seus livros, Carl Rogers menciona o seu medo
em escrever algo que seja controverso, e que ao escrever, fazia isto como se
fosse apenas para ele próprio ler, pois se escrevesse pensando que outros o
leriam, provavelmente mediria as suas palavras e não seria inteiro e autêntico
em suas idéias.
É com este espírito que eu desejo me posicionar acerca
do tema mesmo tendo claro que esta é uma visão muito pessoal e diferente da
grande maioria.
Quando eu era criança, me lembro que adorava bife de
fígado, até o dia em que descobri o que era um fígado. Perdi a fome, o desejo e
o interesse no tal bife. Ainda que me contem o quanto ele é necessário e faz
bem a saúde, simplesmente não o como.
Já não me importa mais nem o seu gosto, se há grande
quantidade de ferro, etc. Assim funciona o rótulo.
Durante a minha vida profissional, tenho acompanhado em
meu consultório, pessoas que chegam já devidamente diagnosticadas tanto por
colegas quanto por outros profissionais de saúde.
Muitos chegam por sua própria conta buscando o seu
diagnóstico.
Em minha opinião, o diagnóstico tem nos servido muito
mais pra estigmatizar e menos para ajudar.
Por meio do diagnóstico, o outro já não interessa, os
seus sentimentos, medos, necessidades. A pessoa que está por detrás do
diagnóstico vira mero coadjuvante.
Embora muitas vezes revestida com uma capa de
necessidade, a minha impressão é que o diagnóstico tem servido, na maioria das
vezes, como manutenção a um modelo confortável e arcaico para o profissional de
ajuda, que desta forma, abre mão do contato, do relacionamento e do vínculo,
que a meu ver é o que de fato importa nesta relação.
Quando se diagnostica o outro, a meu ver, se está
colocando a pessoa em uma condição inferior. A pessoa passa a ser o segundo
plano. O diagnóstico afasta o profissional da pessoa.
Certa
vez, um rapaz diagnosticado como “esquizofrênico”, me procurou e toda vez que
eu aceitava as suas atitudes e enxergava por trás do seu rótulo o seu
sofrimento ele me dizia que não tinha jeito pois era um
"esquizofrênico". Eu sempre mencionava que entendia que ele vivera a
maior parte de sua vida com este diagnóstico, mas eu me interessava mesmo por
seu sofrimento, independente do nome que lhe deram. Um dia ele chegou ao
consultório com aquela fisionomia de sempre, trazido por parente e ao fechar a
porta me disse que andava pensando no que conversávamos e que ele em função do
diagnóstico que recebera, nunca se dera ao trabalho de encarar as suas dores e
sua vida, e que a partir daquele momento queria olhar para si, para as suas
angústias, medos, sonhos... No início me disse que não se sentia confiante em
demonstrar pra todos que se percebera como um ser não mais inferior, pois tinha
medo da reação das pessoas que já estavam acostumadas com isto. Depois, começou
a pensar que do mesmo jeito que podia ser ele mesmo ali comigo, gostaria de
tentar ser assim com os outros. Para isto concluiu que deveria começar a se
posicionar. A família espantada passou a questioná-lo e a me questionar, pois
ele começara a ser meio hostil e questionador. Começou a dizer não e isto
desagradara à família que havia se acostumado com uma pessoa dependente e
dócil. Na opinião da família, ele estava piorando, embora para ele este era o
início de sua libertação. Para minha tristeza, depois de algum tempo, ele
desistiu da psicoterapia dizendo-me que não tinha forças para lutar contra o
rótulo que lhe fora imposto de "esquizofrênico", e que de certo modo,
a psicoterapia estava lhe fazendo mal, pois nela, se via uma pessoa
"normal", mas que como apenas ele e eu o víamos assim, ele não
encontrava forças para enfrentar as pessoas que amava. Disse-me chorando que
iria escolher ser o "esquizofrênico" conhecido e aceito de
sempre.
Talvez o maior problema para se abrir mão do
diagnóstico, seja o de acreditar na capacidade natural da pessoa em se
autodirigir.
Outra dificuldade é que abrir mão do diagnóstico
significa que o profissional pode perder parte do seu "poder" e
"superioridade" sobre o "paciente".
Provavelmente poucos profissionais de ajuda queiram se
colocar numa condição de igual perante o outro, pois isto acarretará numa perda
de seu "status", e provavelmente "em nome do bem", será
mantido esta tradicional forma de "ajuda" de opressor versus
oprimido.
É sabido por todos os profissionais que buscam a
Abordagem Centrada na Pessoa como sua referência, que desde o início, esta
abordagem foi conseqüência da percepção de Carl Rogers a respeito do mal, ou
pelo menos da "ausência de ajuda" que o diagnóstico pode causar.
*Texto escrito em 2003 e apresentado no VII Fórum Brasileiro da Abordagem Centrada na Pessoa em Nova Friburgo /RJ em 2007.
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