Para que serve psicoterapia?
Georges Daniel Janja Bloc Boris
*Publicado
no site da Universidade de Fortaleza (www.unifor.br) em
2001.
Como psicólogo, é comum que eu ouça comentários
diversos sobre minha atuação profissional. Muitos consideram difícil ou muito
pesada a postura de ouvir pessoas com dificuldades, com problemas emocionais
sérios ou mesmo que se consideram ou que são socialmente percebidas como loucas.
Outros desconsideram a atuação do psicólogo, percebendo-a como o uso de um
conjunto de atitudes e de conselhos através de um palavreado ingênuo ou inócuo,
pois referente ao senso comum, e que pouco resolve ou modifica as angústias dos
usuários dos serviços de psicologia. Creio que estas duas perspectivas dizem
respeito ao imaginário que envolve a atuação do psicólogo, que,
de um lado,
considera-o um semideus ou um mago onipotente, ou, por outro lado, percebe-o
como um charlatão que utiliza seu saber para acomodar as ansiedades vividas
pela clientela que o procura.
Acredito que a atuação do psicólogo clínico não se
reduz nem a um nem a outro dos extremos referidos acima. Sem dúvida, não é uma
panacéia para todos os males e nem resolve ou se propõe a resolver todos os
problemas. Entretanto, devo afirmar que a psicoterapia – atividade que exerço
há quase 20 anos – pode ser um recurso extremamente útil àqueles que buscam se
conhecer mais profundamente e/ou que reconhecem sua insatisfação com a forma de
estar no mundo. Sem dúvida, os problemas humanos são diversos. Entretanto, a
psicoterapia visa a criar um clima receptivo e de confiança que favoreça a
livre expressão das emoções, angústias e dificuldades vividas por aqueles que a
ela se submetem.
Apesar de “fazer análise” ter se tornado uma prática
prototípica da (pós)-modernidade, a psicoterapia tem mais de 100 anos e
desenvolveu diversas abordagens, linhas teóricas e práticas diferenciadas. De
um modo geral, trata-se de encontros de cerca de 50 minutos, em uma ou mais
vezes na semana, em que o psicoterapeuta busca favorecer com que seu cliente
manifeste suas questões pessoais íntimas e tudo aquilo que lhe diz respeito ao
último pode e deve ser tratado no espaço psicoterápico. As técnicas e os
referenciais são muitos, mas, genericamente, buscam que aqueles que se
beneficiam da psicoterapia aprendam a lidar melhor com suas questões e possam
tomar decisões mais conscientes e consistentes com seus próprios desejos.
Comumente, não há um tempo pré-definido para o término do processo
psicoterápico, apesar de algumas abordagens de psicoterapia breve determinarem
o número de sessões em que se espera alcançar seu objetivo. Em vários
referenciais, não há cura, pois se considera que geralmente não há doença a
tratar e que a decisão de se submeter ou de encerrar o processo psicoterápico
depende em grande parte ou totalmente do cliente. Neste sentido, a psicoterapia
não seria nem mesmo um tratamento.
As psicoterapias lidam com as mais variadas questões,
envolvendo aspectos práticos e objetivos ou subjetivos e abstratos da vida dos
clientes. Algumas privilegiam o uso da palavra; outras, a expressão emocional
através do corpo; a aprendizagem de novos comportamentos ou a dramatização de
situações significativas da vida da clientela. Em sua formação, os
psicoterapeutas se submeteram a seus próprios processos psicoterápicos como
clientes e freqüentemente buscam profissionais mais experientes para discutir
seus casos clínicos ou pelo menos aqueles em que enfrentam maior dificuldade. Neste
caso, a identidade do cliente é preservada e os objetos da supervisão passam a
ser o próprio psicoterapeuta e suas dificuldades.
A prática psicoterápica buscou favorecer também porções
mais amplas da população, surgindo as práticas grupais. Devido ao maior número
de participantes, os grupos geralmente funcionam num período de 2 a 4 horas semanais e requerem
um contrato de sigilo não apenas com o psicoterapeuta – como ocorre nos
processos individuais - mas com todos os participantes. Busca-se que haja participantes
de ambos os sexos e de idades variadas – ou mesmo de classes diferentes – de
modo a que o grupo vivencie situações as mais próximas da realidade social.
Geralmente, o período de existência dos grupos é acertado previamente com os
participantes, podendo variar de grupos de fins de semana até grupos que duram
anos. O número de participantes também varia bastante, mas o mais comum é o
chamado pequeno grupo, composto de 8
a 12 participantes. Uma qualidade interessante e
peculiar – pelo menos potencialmente – aos grupos de psicoterapia é que os
vários participantes leigos vão paulatinamente se tornando agentes ou
facilitadores terapêuticos cooperativos e o psicoterapeuta vai assumindo cada
vez mais apenas a função de coordenador mais experiente, a quem o grupo pode
recorrer nos momentos mais difíceis.
Longe de se propor apenas a tratar de pessoas insanas
ou perturbadas mentalmente, as psicoterapias podem mesmo funcionar como um
recurso às pessoas “normais”, mas que percebem que seu potencial existencial
poderia ser mais bem explorado e vivido. Neste sentido, a psicoterapia pode se
constituir num instrumento de facilitação da aprendizagem, do reconhecimento
pessoal e interpessoal, da conscientização e da realização das potencialidades
humanas.
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